De vez em
quando, muito de vez em quando, eu tenho a impressão de que entendi algo sobre
as pessoas que elas mesmas ainda não perceberam. Aconteceu outro dia, no meio
de uma conversa banal sobre relacionamentos. Minha interlocutora, muito jovem,
reclamava da dificuldade em lidar com os homens depois que eles cruzam uma
linha invisível (mas muito real) de desejo.
“Não dá para
dizer, simplesmente, que eu curti até ali, quero continuar, mas não tenho
vontade de avançar. Eles não entendem”, ela se queixou. “Tem de ser tudo ou
nada: ou mando o cara embora ou passo para a próxima etapa, mesmo sem estar com
muita vontade.” Às vezes, ela gostaria de ficar nos beijos. Outras vezes, o que
ela chamou de “curiosidade” vai mais longe, mas não chega ao ponto de transar.
Em outras ocasiões, ela desejaria dizer para o sujeito: “Fica por aqui, me
abraça, a gente dorme de conchinha e amanhã voltamos a esse assunto”.
Ela pensa
essas coisas, mas não diz. Vai para o tudo ou nada, antecipando que qualquer
dos caminhos será insatisfatório.
Embora pareça
“conversa de mulher” ou coisa de “gente jovem” (que ainda não descobriu seus
próprios limites), a reclamação da moça talvez seja mais universal. Acho que
homens e mulheres, jovens e mais velhos, todos são capazes de identificar em si
esse sentimento difuso e mal compreendido que a moça expressa - e que eu, por
falta de outro nome, chamaria de “desejo de intimidade”.
Ele aparece
quando se está tomado de carinho e interesse por alguém, sem que isso,
necessariamente, se manifeste como vontade de transar. A pessoa quer se
aproximar da outra, beijar, tocar e explorar. É físico, mas tem uma natureza
mais afetiva, de aconchego. Pode virar uma transa e, frequentemente, vira - mas
não começa assim, e não precisa terminar assim. Às vezes as pessoas não querem
que termine, ou não estão prontas para que termine. Se a outra parte insiste
demais, azeda. Se a própria pessoa não percebe seus sinais, e avança quando não
deveria, também vira um ato forçado, com resultados dolorosos, instantâneos ou
posteriores. Com o “desejo de intimidade” em mente, talvez fique mais fácil
entender alguns dos nossos comportamentos – e várias das nossas hesitações.
Tente se
lembrar daquela mulher que você levou para jantar na sua casa. Tudo parecia
perfeito, mas, na hora em que vocês finalmente aterrissaram no sofá, ela
começou a se esquivar. Beijos, sim. Carinhos, sim. Mas, não, ela não iria tirar
a roupa. Diante da sua insistência em mudar de marcha e chegar logo à próxima
curva, ela saiu da pista: levantou-se, arrumou o vestidinho e foi embora,
parecendo mais triste do que indignada.
É difícil
entender essas coisas. Por que alguém que parecia querer transar muda de ideia?
Por que se pode avançar até aqui e a partir daqui não pode mais? Os homens
ficam perplexos com isso. Minha teoria é que talvez a moça tivesse apenas
“desejo de intimidade” e não exatamente vontade de transar. Queria ficar
juntinho, trocar beijos e agarros, mas com a segurança de que não iria passar
daquilo - por quaisquer que fossem as suas razões.
Homens também
têm dessas contrariedades. É provável que você, leitor, já tenha se achado na
situação de não querer ou não conseguir transar. Já parou para tentar entender
o que aconteceu? É possível que, por trás da ausência de rigidez, estivesse o
“desejo de intimidade”: você talvez quisesse carinho, aceitação e conchego,
mais do que uma boa transa. Acontece. Carências, tristezas ou sentimentos doces
em relação à parceira costumam provocar esse tipo de vontade – ou desvontade,
dependendo de como se olhe.
Os homens
lidam especialmente mal com isso. Para nós, a possibilidade de sexo não
realizada é uma broxada, ponto. Palavra devastadora que esconde uma dezena de
situações diferentes. Talvez nos faltem outras palavras para lidar com isso,
outras ideias. Como “desejo de intimidade”. Se o sujeito puder perceber que
está mais ternura do que tesão, mais abraço do que penetração, tem a chance de
negociar uma “trégua” com a parceira. Quem sabe ela também não adora a ideia?
Isso nos leva
a outra vantagem da nova abordagem, o uso da palavra. Ao contrário do sexo puro
e simples, que tende (pelo menos no início das relações) a ser mudo, o “desejo
de intimidade” é um estado que permite conversar. Demanda conversa, na verdade.
Acho que muitas vezes nos falta isso: colocar os sentimentos na mesa, como eles
se apresentam no momento, em vez de seguir a contragosto (ou no piloto
automático) um roteiro pré-programado de procedimentos sexuais. Temos inibições
em conversar, mas não deveríamos.
Falando, a
moça do sofá poderia explicar, sem embaraços, que os amassos estão bons, mas
que ela, naquele momento, não gostaria de ir mais longe. “Desejo de
intimidade”, sabe como é. O garanhão enternecido poderia fazer o mesmo: definir
os limites da sua situação emocional com a parceira, usando uma linguagem que
não o envergonhe e nem faça com que ela se sinta indesejável. O “desejo de
intimidade” talvez ajude.
Há algo de
cômico e pretensioso na ideia de inventar uma expressão nova para definir
situações e sentimentos tão velhos que, provavelmente, já foram detectados e
nomeados uma centena de vezes - mas não importa. O essencial é apontar a
importância de nos livrarmos das convenções e dos automatismos quando se trata
da nossa intimidade. O essencial é ter coragem de falar, de se colocar, ainda
que os sentimentos do momento pareçam estar muito fora da caixa. O essencial,
eu acho, é evitar que os desencontros de corpos e sentimentos nos magoem e nos
afastem desnecessariamente.
Há muita
vergonha, muito ressentimento e muito pouca conversa quando se trata da nossa
intimidade. Falemos uns com os outros, portanto.
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